Dr.ª Angela Carla Zandoná Ubialli
Certamente você já ouviu falar que há um projeto de lei tramitando no Congresso Nacional para atualizar o Código Civil de 2002 e que, especificamente em matéria sucessória, uma das propostas é retirar o cônjuge do rol dos herdeiros necessários.
Mas afinal, você sabe o que isso significa?
Primeiro é preciso esclarecer que há duas espécies de herdeiros: os necessários, nele abrangidos os descendentes, ascendentes e cônjuges, de acordo com o art. 1.845 do CC; e os colaterais, que acresce ao rol já citado os parentes em até quarto grau do falecido (ex. irmãos), de acordo com o art. 1.839 do Código Civil.
A legislação vigente determina que 50% dos bens deixados pelo falecido devem, obrigatoriamente, ser deixados aos seus herdeiros necessários. Essa limitação ao direito de dispor da totalidade do próprio patrimônio é denominada, para fins sucessórios, de legítima. Essa restrição não protege, entretanto, os colaterais.
Portanto, sempre que há filhos (descendentes), a lei impõe aos seus genitores a obrigação de deixar 50% de seu patrimônio a eles; não havendo filhos, são os pais herdeiros necessários em concorrência com o cônjuge; e, na falta dos ascendentes é o cônjuge herdeiro necessário da parte dita indisponível.
Mas e o restante do patrimônio?
Os outros 50% do patrimônio podem ser atribuídos a qualquer pessoa que o falecido tenha interesse de beneficiar, pois faz parte de sua parte disponível, podendo ser realizado um testamento para instituir tal benesse.
Pois bem… A proposta em análise no Congresso Nacional, ao contrário do que vem sendo amplamente divulgado, não tem como finalidade retirar o direito do cônjuge de receber herança de seu cônjuge ou companheiro(a). O que se busca é alterar a classificação atualmente atribuída aos cônjuges/companheiros os quais deixarão de ser considerados herdeiros necessários para se tornarem herdeiros colaterais.
Ou seja, o que de fato se propõe é que a legítima, os 50% que são reservados pela lei, seja atribuída exclusivamente aos filhos e aos pais do falecido; porém, nada impede que o cônjuge/companheiro(a) receba parcela do patrimônio do(a) falecido(a) através da parte disponível.
Então, se o(a) cônjuge/companheiro continua sendo herdeiro por que há tanta discussão sobre o assunto?
É preciso destacar que a proposta não surge com o intuito de prejudicar o cônjuge ou companheiro(a) sobrevivente, mas para proteger os descendentes e ascendentes em tempos em que as famílias não mais são constituídas para durar permanentemente. O número de famílias reconstituídas pós-divórcio, somado às conquistas alcançadas pelas mulheres, como a sua inserção no mercado de trabalho e com o direito potestativo (obrigatório) do divórcio, já não nos permite mais olhar as mulheres como dependentes econômicas de forma generalizada.
Ademais, dos regimes patrimoniais existentes na legislação vigente, somente a comunhão obrigatória de bens impede a comunicação do patrimônio entre os cônjuges em caso de falecimento. Ou seja, mesmo a separação convencional, regime eleito pelos próprios cônjuges/companheiros no ato do casamento/união estável, não impede a comunicação do patrimônio por morte, mas apenas em caso de divórcio.
A proposta em análise pelo Congresso Nacional, se comparada com o atual regramento civil brasileiro, traz evidente prejuízo ao cônjuge/companheiro se aprovada. Isso porque o cônjuge/companheiro somente terá direito à parte do patrimônio do(a) falecido(a) pela herança se este (falecido) assim se manifestar expressamente; ou, se não houver descendentes ou ascendentes vivos.
Além disso é preciso considerar que não temos o hábito de pensar na morte e quais as consequências que dela advirão. Veja-se como exemplo os inúmeros inventários judiciais onde os herdeiros litigam por anos buscando uma compensação pela suposta “preterição” sentida, seja entre filhos, cônjuges etc. Neste sentido, pode-se afirmar, sem qualquer receio, que condicionar o recebimento de herança do cônjuge/companheiro(a) à realização de testamento, na prática, o(a) relega à condição de não herdeira.